A madeira, o futuro da construção civil
Madeira engenheirada

O título pode parecer equivocado à primeira vista ao afirmar que a madeira, um material utilizado desde as eras mais remotas na construção civil, possa ser alçada à categoria de material do futuro. Com tantos avanços tecnológicos seria mais crível que alguém afirmasse ter descoberto um material feito de grafeno ou alguma fibra de carbono ou uma nova liga com titânio ou outro metal e que ele seria o material do futuro na construção civil. Por isto parece estranho afirmar que a madeira seja o futuro porque a ideia que temos deste elemento não carrega nenhuma conotação de tecnologia avançada. É lógico que se tratássemos sobre as técnicas tradicionais do uso da madeira o título poderia ser considerado equivocado, mas tratamos aqui de debater de uma nova forma de empregar a madeira proporcionada pela evolução tecnológica que permitiu que ela viesse a substituir as estruturas de alvenaria, aço e concreto armado.
A madeira está presente na construção ao redor de todo o planeta disponível, na forma tradicional, em peças cortadas de seus troncos maciços nas formas de ripas, caibros, tábuas e pranchas. Também são retiradas folhas finas para acabamento que servem para laminar móveis e superfícies e uma infinidade de pequenos perfis para os mais diversos usos como molduras, rodapés, rodatetos e afins. Ela tem sido usada como estrutura de edifícios pequenos na forma de pilares e vigas, como estrutura de telhados, como piso, como painéis delimitando espaços e como acabamento de vários tipos de elementos. Até pouco tempo atrás existia apenas uma forma industrializada de usá-la que fugia do material comum que é na forma de painéis prensados de lascas ou pó de madeira com resina que servem para fabricar os painéis de MDF, MDP, compensados, OSB e similares. Com todo este emprego da madeira fica até a dúvida de qual seja o problema frente esta vasta gama de possibilidades de uso. Mas existe uma limitação e ela começou a ficar mais contundente quando surgiu o concreto armado e as estruturas metálicas que começaram a ser empregados em todos os edifícios possibilitando a construção de grandes vãos livres. A arquitetura moderna elegeu o concreto armado como seu fiel representante e o utiliza à exaustão desde a sua descoberta. Sua capacidade estrutural que liberta as vedações dos edifícios e possibilita a construção de grandes espaços abertos e altos edifícios conquistou o mundo afora. Desde meados da década de 60 os conjuntos de concreto e vidro dominaram a paisagem urbana e foram empregados em escala planetária. No último século a madeira ficou relegada a pequenas obras e a acabamento de pequenos elementos, afinal ela não conseguia atender as capacidades estruturais que o mundo urgia.
Tudo ia muito bem com o concreto armado até que as consequências ambientais que estamos sofrendo na atualidade acenderam o aviso de alerta de que deveríamos tomar cuidado com o uso indiscriminado dos recursos naturais e com a poluição gerada de nossos sistemas de produção e transporte. Surgiu então a ideia de mensurar quanto carbono cada atividade humana gera na atmosfera a fim de aferir a sustentabilidade de cada uma de nossas ações. E a produção de concreto e aço gera muita poluição, assim como os canteiros de obras que utilizam estes materiais também geram muito desperdício, entulho e lixo, ou seja, não são nada sustentáveis. Na busca de soluções ecológicas é que o olhar se voltou novamente para a madeira porque ela é um recurso altamente renovável e a sua produção sequestra carbono da atmosfera. A premência por um material renovável e sustentável e o desenvolvimento tecnológico conseguiram desenvolver um novo produto que utiliza a madeira de forma a atender as necessidades estruturais. Estamos falando da madeira engenheirada que são produtos de madeira fabricados através da combinação de fibras, lascas, ou tábuas de madeira com adesivos e outros materiais para criar produtos mais fortes, mais versáteis e mais estáveis do que a madeira natural. Esse processo permite superar as limitações da madeira convencional, como a suscetibilidade a torções e empenamentos, e atingir dimensões e resistências que não eram possíveis com as peças de madeira tradicionais. Esta resistência estrutural conseguida com este avanço tecnológico permite que edifícios possam ser feitos inteiros em madeira. Há quem diga até que a madeira é o concreto do futuro.
Por atender ambos os requisitos da questão ambiental e das necessidades estruturais é que se afirma que a madeira se tornou o material do futuro. O uso das madeiras de reflorestamento e de rápido crescimento é um recurso renovável e que ao invés de produzir carbono consegue sequestrá-lo da atmosfera ajudando a eliminar o carbono do efeito estufa. A madeira não é só o material do futuro, o seu uso também é uma forma de garantir que tenhamos um futuro.
Somente a questão de ser um material ambientalmente sustentável já deveria ser suficiente para a madeira receber este título de concreto do futuro, mas as qualidades não se limitam somente a isto. O emprego destes novos materiais proporciona um canteiro de obras muito mais racionalizado, com muito menos desperdício e permitem uma construção mais rápida e simples porque as peças já vêm prontas de fábrica. Além disto ainda existe também as possibilidades estéticas que são proporcionadas por estes materiais porque os perfis de madeira laminada colada podem ser curvados produzindo arcos, abóbadas e formas complexas de extrema elegância.
E quais são estes materiais novos feitos de madeira?

MLC
Madeira Laminada Colada (MLC), é frequentemente referido por sua sigla em inglês, Glulam (Glued Laminated Timber). É um produto de madeira engenheirada que consiste na laminação de múltiplas camadas de madeira, cada uma colada sob pressão e calor, orientadas na mesma direção. Este processo não apenas melhora a resistência e a estabilidade do produto final em comparação com a madeira convencional, mas também permite a fabricação de peças de grandes dimensões e com formas curvas ou complexas. O Glulam é admirado por sua versatilidade, resistência e beleza estética, sendo capaz de suportar cargas pesadas e oferecer uma ampla gama de possibilidades arquitetônicas. Ele pode ser usado em uma variedade de elementos estruturais, incluindo vigas, colunas, arcos e outras formas complexas, o que o torna um material especialmente popular em projetos de construção que desejam explorar formas arquitetônicas únicas e expressivas.

CLT
Um dos produtos mais inovadores dentro da categoria de madeiras engenheiradas é o CLT, sigla para Cross-Laminated Timber ou Madeira Laminada Cruzada. Trata-se de painéis formados por várias camadas de tábuas de madeira posicionadas e coladas umas às outras em ângulos retos. Essa estrutura confere ao CLT uma resistência excepcional tanto à compressão quanto ao alongamento, além de uma capacidade notável de suportar cargas pesadas, tornando-o ideal para a construção de edifícios de múltiplos andares. Os painéis podem ser utilizados como paredes e lajes.

Wood Frame
O sistema wood frame, ou construção em quadro de madeira, é um método de construção que utiliza uma estrutura leve de madeira como esqueleto da edificação. Esta estrutura é composta por elementos verticais (pilares) e horizontais (vigas), formando um "quadro" que é posteriormente fechado com painéis estruturais e isolantes. Este método é bastante popular na América do Norte devido à sua eficiência energética, rapidez de execução e flexibilidade de design. O wood frame substitui o painel de drywall que é feito de gesso acartonado.

SIPs (Structural Insulated Panels)
Os SIPs são painéis compostos por uma camada de material isolante, geralmente poliestireno expandido ou poliuretano, prensada entre duas camadas de material estrutural, como OSB (Oriented Strand Board). Eles são utilizados para paredes, pisos e tetos, oferecendo uma solução construtiva extremamente eficiente do ponto de vista térmico e estrutural.

Abaixo segue uma lista de edifícios ao redor do mundo que usam os materiais descritos acima.
1. Brock Commons Tallwood House, Vancouver, Canadá
Este edifício residencial universitário na Universidade da Colúmbia Britânica é um dos mais altos do mundo construído principalmente com madeira engenheirada, incluindo CLT para os pisos e Glulam para os pilares verticais. Com 18 andares, destaca-se pelo uso inovador da madeira na construção de alta elevação.

2. Mjøstårnet, Brumunddal, Noruega
Até a minha última verificação, o Mjøstårnet era considerado o edifício de madeira mais alto do mundo, com 85,4 metros de altura. A estrutura combina CLT e Glulam para criar um marco arquitetônico que inclui apartamentos, um hotel, escritórios e uma piscina.

3. Treet - "A Árvore", Bergen, Noruega
Este edifício residencial foi um dos mais altos edifícios de madeira no momento de sua conclusão, com 14 andares. Utiliza uma combinação de Glulam para a estrutura de suporte e CLT para as paredes, pisos e núcleo do elevador, demonstrando as capacidades estruturais da madeira engenheirada em construções de grande altura.

4. Forté, Melbourne, Austrália
Considerado um pioneiro na construção com madeira engenheirada na Austrália, este edifício residencial de 10 andares foi construído usando CLT. O projeto destacou as vantagens ambientais da madeira, incluindo reduções significativas nas emissões de carbono em comparação com construções convencionais.

5. Dalston Lane, Londres, Reino Unido
Este complexo residencial e comercial é um dos maiores edifícios em CLT do mundo, utilizando mais de 3.500 metros cúbicos de madeira engenheirada. O uso de CLT permitiu não apenas uma construção rápida, mas também contribuiu para a sustentabilidade geral do projeto.

6. Haesley Nine Bridges Golf Club House, Yeoju, Coreia do Sul
Este elegante clube de golfe utiliza Glulam para criar uma estrutura impressionante com amplos vãos e um design que complementa seu ambiente natural. A madeira engenheirada permite formas arquitetônicas complexas e uma estética quente e convidativa.

7. Biblioteca Pública de Vennesla, Vennesla, Noruega
Este edifício utiliza Glulam para criar uma série de arcos característicos que não só suportam a estrutura, mas também integram iluminação, ventilação e estantes de livros, demonstrando a versatilidade da madeira engenheirada em aplicações inovadoras de design.

Enfim, em um mundo cada vez mais consciente da necessidade de adequar as ações humanas à capacidade da natureza de se renovar fica claro por que o uso da madeira engenheirada tem conquistado tantos holofotes. A busca por soluções similares acontece em todos os aspectos das atividades humanas e por isto se busca tanto pelo desenvolvimento de fontes de energia renováveis como a solar e a eólica e o desenvolvimento e resgate de materiais que sejam sustentáveis. A ideia não é voltarmos a morar em cavernas, embora o uso da taipa de pilão e alvenarias de adobe estejam voltando em peso, mas esta é uma conversa para outra hora. A ideia é usarmos a tecnologia a favor do planeta e revisar nosso consumo desenfreado para que possamos cuidar melhor de nossa casa que se chama Terra porque só temos ela e já não dá mais para esconder a sujeira debaixo do tapete.